quinta-feira, 25 de junho de 2009
Notícias:OCEANOS ÁCIDOS-A Nova Ameaça
Não é só na atmosfera que o dióxido de carbono é uma praga: nos oceanos, ele produz uma imparável acidificação que coloca em perigo imediato a ecologia marinha.
Contexto: o problema do aquecimento global leva os cientistas aos mares. Os oceanos representam dois terços da superfície do planeta e desempenham um papel capital no clima. Qual? É para o saber que foram criados vários projectos internacionais, nomeadamente o World Ocean Circulation Experiment (WOCE) e o Gobal Ocean Flux Study (JGOFS). Como chave, a criação de redes de medições para tomar o pulso aos oceanos. E estes estudos já revelaram um fenómeno inquietante: a acidificação oceânica, ligada às emissões de CO2 humanas.
Decididamente, o CO2 parece bem lançado para levar o prémio de pior dejecto humano. Comparando este gás que se liberta dos escapes dos nossos automóveis todos os dias, como chaminés de inumeráveis actividades industriais, com resíduos nucleares, cuja manipulação requer recursos gigantescos, o CO2 não rivaliza. Mas, reverso da medalha, não é tão simples assim. Mesmo não sendo tóxico, o CO2 não pára de se dispersar na atmosfera, a partir do momento em que se dá à chave para ligar o motor… com as catástrofes bem conhecidas por efeito.
Mas eis que o favorecer o aquecimento climático deixou de ser a única característica do CO2; hoje, aparece como portador duma nova e não menos colossal ameaça: a de tornar as águas dos oceanos mais ácidas. E esta acidificação anuncia-se como desastrosa para a cadeia ecológica marinha. É certo que a acidificação dos oceanos é conhecida há anos pelos geoquímicos. O mecanismo até é simples: tudo o que acontece é que a molécula de CO2, depois de sair do tubo de escape, da fábrica ou da central térmica, vai dar uma voltinha pela atmosfera, e acaba quase sempre a viagem num oceano. Porquê? Porque se dissolve facilmente, e o oceano é bem mais vasto que a atmosfera em numero de átomos. A tal ponto que conta com 37 000 gigatoneladas de carbono contra somente 800 gigatoneladas armazenadas no ar. Este número contabilizou a amplitude do fenómeno em Julho de 2004. Tendo intencionado esboçar a absorção do CO2 pelos oceanos, um vasto estudo internacional, pilotado pela NOAA (National Ocean and Atmosphere Administration), pôs em evidência os resultados impressionantes: 48% do dióxido de carbono emitidos pelo homem desde o inicio da era industrial (séc. XIX) está presente nos oceanos, seja 120 biliões de toneladas de carbono. Pior, esta acumulação continua ao ritmo de 25 milhões de toneladas de carbono… TODOS OS DIAS! E esta massa colossal, que há dois séculos estava encavernada nas entranhas do planeta, sob a forma de carvão, petróleo ou gás, está a modificar profundamente a química oceânica, como explica Carol Turley, biogeoquimica no Plymouth Marine Laboratory britânico, «o CO2 pode ser relativamente inerte (1) na atmosfera, mas torna-se altamente reactivo uma vez dissolvido na água salgada, tendo reacções químicas, físicas, biológicas e geológicas».
Esta metamorfose de Dr. Jekill atmosférico em Mr. Hyde aquoso dá origem a iões carbonados e bicarbonatos, com os quais o CO2 está em equilíbrio, e estes iões têm um papel próprio numa série de outras combinações. Além disso, a molécula de dióxido de carbono (CO2), no preciso momento em que se liga à água, liberta um protão (H+); ora, libertar um protão numa solução, a isto dá-se um nome: acidificar (ver calão). Eis porque é que o dióxido de carbono foi durante muito tempo chamado «ácido carbónico». E segundo os especialistas, os biliões de toneladas de CO2 despejados por nós desde a máquina a vapor alterou já o pH em 0,1 , o que representa um aumento de acidez de… 10%! Memória a trabalhar: um pH é neutro em 7, abaixo é ácido, e acima é base. E estamos no início, pois as previsões fazem temer que até 2100 o oceano se acidifique mais 0,4 unidades pH. É óbvio que isto não é suficiente para tornar o oceano ácido – o oceano é com efeito muito base devido à dissolução do calcário; mas, se tomarmos o exemplo do Mar do Norte, hoje cuidadosamente estudado pelos Britânicos, este passará de 8,3 hoje para 7,8 na escala de pH. Nunca visto nos últimos 25 milhões de anos! E, a mais longo prazo, no horizonte 2250, segundo os modelos, a queda atingiria o valor pH 0,7… Números tanto mais inquietantes que «a acidificação não é um sintoma do aquecimento; isto acontece a montante», explica Laurent Bopp, especialista do ciclo do carbono no laboratório de ciências do clima e do ambiente de Saclay, França. Que haja aquecimento ou não, ela continuará, enquanto as emissões de carbono continuarem. «Vamos certamente herdar um oceano diferente, confirma Peter Brewer, investigador no Monterey Bay Aquarium Research Institute na Califórnia. Já o é em larga medida em termos químicos. E biologicamente é provável que aconteça o mesmo».
De momento, prever os efeitos da acidificação sobre os seres vivos é um quebra-cabeças. Mas não há duvidas que os organismos que povoam os oceanos serão afectados. Para começar porque as concentrações de nutrimentos e a forma em que existem, estão dependentes do pH. O fosfato inorgânico, por exemplo, ou o amoníaco, veriam mergulhar as suas concentrações se as alterações se realizarem. Ora, a abundância e composição do plâncton estão estreitamente ligadas à presença de nutrimentos e à sua natureza. Que consequências podemos então esperar? Para já, ainda não temos conhecimentos necessários para formular uma hipótese verificável, mas vários projectos de estudo deverão permitir saber mais em breve.
Mais grave ainda é o caso dos organismos de esqueleto calcário. Pois os iões carbonados são utilizados por uma série de seres vivos, de uma extraordinária diversidade. Juntando os ditos carbonatos com cálcio (muito abundante no mar), estes organismos formam a calcite (CaCO3), um material omnipresente que se encontra tanto nos bivalves ou amêijoas como no esqueleto dos equinodermes como as estrelas-do-mar ou os ouriços, ou ainda em microscópicos organismos unicelulares. Ora, a acidez faz decair a quantidade de iões carbonatos disponíveis: para a duplicação do carbono atmosférico (prometido para 2050), a quantidade de iões carbonados é dividida por a meio. E assim, como vão reagir os seres dos oceanos?
Esqueletos anormais
«Experiências a simular estas condições mostraram casos de mobilidade reduzida, inibição de alimentação, crescimento reduzido, dificuldades respiratórias, sensibilidade acrescida às infecções, dissolução de carapaças, redução de populações e mortalidade acrescida», indica Carol Turley. Nada de espantar: ao negar um organismo a metade dos seus materiais de construção, como imaginar que produz mansões? «Assim que o pH se torna igual a 7, sublinha ainda a cientista, a mortalidade de alguns seres é de 100%!». Não é menos inquietante para o plâncton, já que constitui a base do ecossistema marinho.
Que seres vivos no futuro?
E ainda o zooplâncton, que se alimenta do plâncton vegetal. Também ele tem um papel biológico importante, para não falar no papel económico, pois é comido pelos peixes mais pequenos, que por sua vez servem de alimento às espécies comerciais com mais valor. Podemos por exemplo citar os moluscos microscópicos, os pterópodes, que estão na base da maior parte das cadeias alimentares do oceano austral, e desempenham um papel primordial na alimentação das baleias. Os pterópodes têm uma concha de aragonite, molécula parecida com a calcite mas um pouco mais solúvel. Ora, é mais ou menos certo que, até ao ano 2050, o oceano austral se tornará sub-saturado em aragonite. Dito de outra maneira, os fragmentos de aragonite que entrem em contacto com a água se dissolverão… Uma má noticia para os pterópodes, e também para os que se alimentam deles directa ou indirectamente, até aos albatrozes.
É então num contexto químico radicalmente novo que a fauna oceânica vai ter de aprender a viver.
O CO2 vai poder esterilizar o oceano? Com certeza que não. Como sublinha Ken Caldeira, «enquanto houver luz e nutrimentos, os seres vivos estarão lá para os explorar, que outros virão comer, etc.». Mas quais seres vivos, e com que consequências para a espécie humana? As pesquisas esforçam-se por tentar responder o mais brevemente possível. Quanto ao que seria necessário fazer, a resposta é infelizmente sem escapatória: reduzir as emissões de CO2. Até agora, é necessário constatar que não conseguimos. Com este novo elemento no dossier, será que é desta que abrimos o processo do nosso dejecto público nº 1?
O primeiro-ministro britânico Tony Blair tinha prometido levar o problema aquando do último G8, mas… as manobras politicas, indexadas ao preço do petróleo, levaram a umas quantas acções de propaganda, às quais se vieram juntar, para maior consolo de uns quantos tiranos, concertos e atentados.
Tudo para alegria e excitação dos animais marinhos…
Adaptado de Science et Vie nº 1054, Julho de 2005 por DM
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