sexta-feira, 23 de abril de 2010
Técnica antifraude é destaque em revista-Unicamp
Trabalhos desenvolvidos no Laboratório ThoMSon, do IQ, são publicados na Analyst
JEVERSON BARBIERI
O limite é a imaginação. Foi dessa maneira que o professor Marcos N. Eberlin, coordenador do Laboratório ThoMSon de Espectrometria de Massas, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, referiu-se à técnica pioneira desenvolvida em seu laboratório, a Easy Ambient Sonic-spray Ionization (EASI), capaz de analisar quimicamente a superfície de quase todos os tipos de amostras utilizando a espectrometria de massa. Prova disso é que a conceituada revista Analyst, editada pela Royal Society of Chemistry, publicou em seu volume 135, de uma só vez, três trabalhos produzidos pelo ThoMSon, sendo um deles destaque de capa. Esse número representa 30% dos artigos publicados neste volume especialmente dedicado às técnicas ambientais, uma novidade em espectrometria de massas. Além disso, o Journal of Lipid Research, em sua edição de maio de 2010, trará, também como destaque de capa, outra importante pesquisa desenvolvida pela equipe do ThoMSon.
A espectrometria de massas é uma técnica bastante poderosa utilizada para caracterização de substâncias químicas porque desvenda a formulação ao nível molecular. A partir de uma mistura complexa, ela mostra quais são as moléculas presentes, qual a constituição e a fórmula química e, ainda, faz a quantificação de cada uma delas. Eberlin contou que, há 20 anos, era uma técnica difícil de ser feita porque exigia equipamentos de laboratório complexos e caros. Era necessário, segundo o coordenador, colocar a amostra sob alto vácuo e o tempo de análise era muito demorado, além do que a fonte de ionização era de difícil manipulação. “Com o passar do tempo houve um grande desenvolvimento dessa técnica, que culminou com a simplicidade e eficiência produzida no ThoMSon”, explicou.
Primeiro, porque as amostras saíram do alto vácuo e passaram a ser trabalhadas em condições ambientais. Além disso, não existe mais a necessidade do auxílio de calor, lasers, descargas elétricas e altas voltagens para criar os íons, elementos antes indispensáveis para a obtenção dos resultados desejados. A EASI usa basicamente nitrogênio ou ar comprimido, e nada mais. E hoje as análises são realizadas diretamente na matriz original.
Perícia
Batizada de “caça-fraude”, a EASI é capaz de estabelecer um perfil químico dos corantes das tintas, determinando seu grau de envelhecimento. Dessa maneira, é possível determinar também, em casos de cruzamentos de traços, qual foi feito antes e se foram feitos com a mesma caneta. A doutoranda Priscila Micaroni Lalli esclareceu que cada caneta tem uma composição específica de corantes. É possível, sem alterar fisicamente o documento, analisar a tinta diretamente da superfície e obter o perfil de cada caneta. Lalli afirmou ainda que a tinta da caneta começa a envelhecer a partir do momento que é depositada no papel. Elementos como oxigênio e luz provocam o aparecimento de produtos de degradação, determinantes da idade da tinta. Eberlin revelou que recentemente peritos chilenos estiveram em seu laboratório utilizando essa técnica para analisar assinaturas em documentos oficiais sob suspeita. Essa pesquisa valeu o destaque de capa da Analyst.
Outra pesquisa decorrente da EASI é referente à adaptação do efeito Venture – o ar sob alta pressão passa em dois vasos capilares criando um vácuo que succiona a solução – na fonte EASI para análise direta de amostras líquidas. As mestrandas Vanessa Gonçalves dos Santos e Thaís Regiane substituíram a bomba injetora de amostras da fonte, criando assim a técnica VEASI. A sucção de amostra pela pressão de gás permitiu analisar café, cachaça, cocaína, proteínas e petróleo diretamente da amostra líquida. Santos disse que essa técnica possibilita fazer análise de moléculas bem grandes como as proteínas sem usar solvente, utilizando apenas água pura acidificada. “Eliminamos a bomba e o solvente. O objetivo é levar a análise de massas para o campo, portanto, uma fonte mais simples e sem necessidade de energia elétrica facilita muito”, assegurou.
Regiane ressaltou que como se trata de uma inovação, foi preciso mostrar versatilidade. Foram feitas análises de diferentes polímeros, de amostras biológicas, além do acompanhamento em tempo real de reações orgânicas e, assim, foi possível interceptar os principais intermediários da reação. É fundamental, disse Regiane, conseguir desvendar o mecanismo das reações, pois dessa forma é possível modificar o meio reacional visando melhorar o rendimento do produto”, afirmou.
A caracterização de óleos comestíveis foi outro trabalho selecionado para compor a edição da Analyst. A doutoranda Rosineide Costa Simas, através de uma parceria com o professor Daniel Barreira Arellano, do Laboratório de Óleos e Gorduras da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), determinou em segundos, por meio de uma gota de óleo em um papel, um espectro de triacilglicerol. Por esse perfil é possível dizer se é óleo de soja, de oliva, de canola, de milho ou de algodão, extrapolando para óleos amazônicos como o cupuaçu, copaíba e murumuru. Ou seja, existe uma distribuição de triacilglicerol característico de cada óleo e com uma gota é possível dizer qual oleaginosa deu origem aquele óleo. Esse é, segundo Simas, o modo positivo da pesquisa.
Quando se parte para o modo negativo, é possível optar por fazer controle de qualidade. Todo óleo quando não passa por um processo de refino tem uma acidez natural chamada de acidez livre e, portanto, é possível monitorar o ácido graxo livre. Feita a análise de acidez, resolveu-se pegar o óleo e tentar acompanhar por EASI. “Conseguimos fazer uma regressão linear com 0,98 de correlação e um erro médio das replicatas de amostra de menos de 1% entre o resultado do método clássico e do método original. Tanto que estamos extrapolando essas quantificações para biodiesel e outras amostras”, exemplificou Simas.
Os estudos continuaram avançando e percebeu-se que havia uma mudança no espectro com o aparecimento de um íon diferente. Interpretando os resultados viu-se que era um produto de oxidação. Como essa pesquisa tem um ano e meio, começou a aparecer no óleo padrão um íon que não correspondia à sua composição: era um hidroperóxido, produto de oxidação. “A partir dessa informação, percebemos que é possível então monitorar a vida de prateleira dos óleos”, afirmou Simas.
Óvulos e embriões
Desenvolvida pela pós-doc Christina R. Ferreira em colaboração com a USP, Unifesp e a empresa In Vitro Brasil Ltda., a pesquisa que será capa do mês de maio de 2010 do Journal of Lipid Research descreve uma técnica inovadora que permite o estudo da composição lipídica de um único exemplar de óvulos e embriões intactos. O projeto, que tem bolsa de pós-doutorado da Fapesp, é de responsabilidade da doutora Christina R. Ferreira.
Técnicas anteriores exigiam a amostragem e a manipulação química de um pool de vários exemplares destas valiosas espécies, muitas vezes de difícil acesso para pesquisas. O conhecimento da composição lipídica de óvulos e embriões é de importância vital, pois interfere diretamente nos resultados de sua criopreservação e viabilidade de seu desenvolvimento. Foram avaliados óvulos e embriões de humanos (inviáveis), de bovinos e outras espécies de interesse. A aplicação desta nova técnica de espectrometria de massas a um único exemplar intacto de óvulo ou embrião deverá ser útil em diversos estudos de biotecnologia no país e no exterior, principalmente em reproduções in vitro.
Outras aplicações
Eduardo Costa de Figueiredo e Gustavo Braga Sanvido, em colaboração com o professor Marco Aurélio Zezzi Arruda, também do IQ, desenvolveram uma técnica de extração rápida. Trata-se de um polímero “inteligente” que possui um molde de uma molécula alvo. A simples colocação desse polímero em matrizes complexas como sangue ou urina é capaz de “pescar” a molécula de interesse. O polímero é então retirado e lavado em água para retirar o excesso de sal e proteínas. Colocado na fonte EASI, recebe um fluxo de metanol e a partir daí surge o sinal analítico no espectrômetro de massas. Uma aplicação importante dessa técnica é encontrar sinais de consumo de drogas na urina humana.
Motivada pela necessidade do Inmetro de certificar o mogno brasileiro, Rosineide Simas testou a técnica VEASI. Alguns comerciantes de madeira, de acordo com a doutoranda, maqueiam madeiras com veios parecidos ao mogno, utilizando corantes. A colaboração da colega Elaine Cabral, aluna da USP e co-orientada de Eberlim, cujo pai e irmão são marceneiros, foi muito importante. Ele forneceu várias espécies de madeira (mogno, peroba e cedro, entre elas) que possibilitaram, através de uma pequena amostra, caracterizar íons que funcionam como marcadores naturais. Para o falso mogno, o corante produz sinais muito diferentes. “Através da VEASI, o mogno apresenta uma assinatura química única. O Inmetro se apaixonou pela técnica”, disse Simas.
Pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia (RJ) e visitante no ThoMSon, a química Simone Carvalho Chiapetta desenvolve, na companhia da mestranda Adriana Teixeira Godoy, pesquisa para controle do tabaco. Chiapetta explicou que foi procurada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma vez que no Brasil, na América Latina e no Caribe não existem laboratórios capacitados para exercer um controle mais efetivo nesse mercado que é fortemente influenciado pelas indústrias de tabaco. A Organização Mundial da Saúde (OMS) cobra essa implantação.
A pesquisa sobre os contaminantes e os aditivos colocados nos cigarros para facilitar um consumo cada vez maior tem como objetivo principal dificultar a introdução desses elementos na composição do cigarro e, dessa maneira, fazer com que as pessoas tenham prazer em parar de fumar. Ademais, a EASI pode quantificar realmente os níveis de nicotina e dos constituintes do alcatrão presentes no tabaco. Pode ainda determinar também se um cigarro é verdadeiro ou falso.
Chiapetta disse ainda que, quando se trabalha com grandes empresas, que declaram a composição, é mais tranqüilo porque é possível verificar se os dados batem ou não com os obtidos através da EASI. “Quando se trabalha com outras empresas, cujo conteúdo é fechado, você tem que descobrir a composição, e a gente está falando de uma infinidade de marcas que entram pelas fronteiras brasileiras. Tem de tudo, só no preparo de amostras a gente viu uma diferença absurda. Os falsificados são mais nocivos. Só pela visual de extração da amostra já é assustador”, concluiu.
fonte:http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/abril2010/ju458_pag04.php#
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Menor e mais eficiente
Nova formulação de fármaco contra Aids pode facilitar o tratamento para crianças e idosos
Foto:Grânulos formados por aglomerados de microesferas de quitosana contendo o fármaco didanosina
Yuri VasconcelosEdição Impressa 167 - Janeiro 2010
No lugar de um comprimido grande e difícil de engolir, alguns grânulos bem menores contendo o mesmo fármaco encapsulado em microesferas. Essa foi a saída tecnológica de um grupo de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A solução poderá tornar mais eficiente o tratamento de Aids no país, principalmente entre pacientes idosos e crianças. Trata-se de uma formulação farmacêutica inédita do fármaco didanosina (DDI), largamente usado no combate à doença. O novo produto ainda em estágio experimental é formado por bolinhas de um milímetro (mm) de diâmetro com capacidade de aderir à mucosa do intestino. Elas são compostas de um aglomerado com centenas de microesferas de quitosana, um polímero natural obtido a partir do esqueleto de crustáceos como camarão, caranguejo e lagosta. Dentro dessas microesferas encontra-se encapsulado o fármaco antirretroviral didanosina.
A nova forma farmacêutica e o seu processo de produção já renderam ao grupo de pesquisadores um pedido de patente, depositado em 2007 no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com validade no exterior via Tratado para Cooperação em Patentes (PCT na sigla em inglês). A próxima etapa do estudo, de acordo com a engenheira química Maria Helena Andrade Santana, professora que coordenou os trabalhos, deverá ser a realização de testes em humanos, última etapa antes de o produto estar pronto para ser comercializado. A didanosina, um fármaco fabricado por laboratórios farmacêuticos nacionais, faz parte do coquetel antirretroviral administrado a pacientes com infecção em estágio avançado pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Sua função é inibir a replicação do HIV. Tomado por via oral, na forma de comprimidos distribuídos pelo SUS, o medicamento apresenta o inconveniente de ser grande demais, em torno de um centímetro, o que dificulta a ingestão por crianças e idosos, prejudicando a adesão ao tratamento. A fim de prevenir que seja degradado quando exposto ao pH ácido do estômago, o fármaco é administrado em comprimidos tamponados, que contêm substâncias, como o hidróxido de magnésio, que lhe conferem essa proteção. O uso do tampão aumenta expressivamente seu tamanho, tornando difícil sua deglutição. Quebrar o comprimido, por sua vez, pode causar a desativação do fármaco, que deve chegar intacto ao intestino, onde será absorvido pelo organismo.
As principais vantagens do produto desenvolvido no Laboratório de Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos da FEQ-Unicamp são a redução do tamanho do medicamento, a adesão à parede do intestino e a liberação gradativa do fármaco. “O medicamento que nosso grupo desenvolveu é um grânulo que, em vez de ser composto pelas moléculas livres dos ingredientes, contém embutidos na sua matriz esferas micrométricas (dois micrômetros) de quitosana com a didanosina encapsulada no seu interior”, explica Maria Helena. “O nosso produto é fácil de deglutir e, para que o paciente ajuste a dose, no lugar de quebrá-lo, basta contar o número de grânulos a serem ingeridos. Isso facilita a terapia para crianças e idosos.” Segundo ela, já existe um antirretroviral à base de didanosina revestido com polímero gastrorresistente que assegura a proteção do fármaco. Acontece que ele não pode ser partido – por exemplo, para fracionar a dose do remédio – porque quando isso ocorre as arestas criadas ficam desprotegidas. “Esses grânulos são caros e importados e são distribuídos restritamente na rede pública para pacientes com HIV-Aids.”
Uma vantagem adicional da nova formulação, cuja pesquisa integrou o doutorado do engenheiro químico Classius Ferreira da Silva, e o mestrado da farmacêutica Patrícia Severino, ambos na FEQ, é a liberação gradual e controlada da didanosina, o que aumenta a eficiência de absorção do fármaco pela mucosa do intestino e torna o tratamento mais eficaz. “Nossos grânulos são capazes de encapsular e liberar de modo mais lento e controlado o composto ativo do medicamento”, diz Maria Helena. Resultados experimentais a partir de ensaios com cachorros mostraram que a liberação da didanosina ocorreu num período longo, de 36 horas, e que a quantidade de fármaco absorvida pelo organismo neste tempo é o dobro quando comparado com os comprimidos convencionais e grânulos comerciais. Os autores do estudo destacam, ainda, que os grânulos de quitosana podem ser revestidos com polímeros gastrorresistentes, de forma a protegerem a atividade de compostos ativos sensíveis ao pH do estômago.
Outro diferencial da patente é o processo de fabricação da formulação. Durante os estudos em laboratório, a produção avançou em relação às suas variáveis operacionais, tornando-a passível de escalonamento e de aplicação no setor industrial. O processo envolve tanto a produção das micropartículas que encapsulam o fármaco como os grânulos mucoadesivos. Inicialmente, o composto ativo é encapsulado em micropartículas de quitosana, em dispersão aquosa. Em seguida, essas partículas são separadas por centrifugação e removido o meio aquoso. As partículas úmidas são secas e a própria quitosana é adicionada à massa para produção dos grânulos.
Liberação gradual – Um estudo de farmacocinética, que é o tempo de permanência da droga na corrente sanguínea, desses grânulos foi realizado durante o mestrado de Patrícia Severino com apoio da professora Teresa Dalla Costa, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e mostrou a superioridade dos grânulos em relação ao comprimido revestido comercial. “Com isso será possível reduzir a frequência de administração do fármaco e, provavelmente, a dose”, diz Maria Helena. Segundo a pesquisadora, em função da associação de suas três propriedades – proteção do fármaco ou ingrediente ativo, liberação gradual e direcionamento específico para a mucosa intestinal –, esses grânulos poderão ser usados para outras aplicações nas áreas farmacêutica, médica e veterinária, além da produção do medicamento antirretroviral.
A etapa final de desenvolvimento do novo medicamento, essencial para sua comercialização, depende do estabelecimento de uma parceria com uma indústria farmacêutica que se encarregue da realização dos ensaios clínicos em humanos, complexos e principalmente caros para serem realizados no âmbito da universidade. “Repassar a tecnologia para uma empresa interessada é a nossa ideia, mas ainda não temos negociações em andamento”, diz Maria Helena.
O projeto
Caracterização do revestimento polimérico e farmacocinética in vivo de grânulos contendo micropartículas de quitosana incorporando didanosina
Modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa
Coordenadora
Maria Helena Andrade Santana – Unicamp
Investimento
R$ 57.632,50 (FAPESP)
Fonte:http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=4038&bd=1&pg=1&lg=
Marcadores:
Biomateriais-Bioquímica,
Química/Engª Química
domingo, 18 de abril de 2010
Pesquisas desvendam funções de proteínas presentes em venenos de cobras
ISABEL GARDENAL
É sabido que o veneno de serpentes é uma mistura complexa de componentes orgânicos e inorgânicos. Duas pesquisas de doutorado, concebidas no Instituto de Biologia (IB) e no Instituto de Química (IQ) da Unicamp, chegaram a algumas revelações sobre proteínas presentes no veneno da jararaca e da cascavel, as quais poderão ter diversas aplicações. Estes estudos, ainda que preliminares, já fornecem um panorama para o entendimento de algumas funções, com a caracterização de proteínas que podem levar inclusive ao desenvolvimento de fármacos.
A pesquisa do IB, por exemplo, encontrou nas proteínas fosfolipases A2 uma possível aplicação de compostos polifenólicos de plantas sobre a ação tóxica do veneno da cascavel. O trabalho apontou que essas fosfolipases, submetidas ao tratamento com compostos naturais derivados de cumarinas, reduziram o seu efeito inflamatório, a agregação plaquetária, a miotoxidade, a citotoxicidade e a neurotoxicidade. Sua autora vislumbra o emprego de compostos polifenólicos sintéticos em ações biológicas para que os efeitos medicamentosos possam ser melhor explorados.
Por outro lado, a pesquisa do IQ chegou à caracterização da proteína BJ8 pela técnica da cristalografia. Esta proteína demonstrou uma capacidade incomum de conduzir à agregação plaquetária, ou seja, à coagulação sanguínea. No estudo, o veneno da cascavel mostrou um efeito neurotóxico e da jararaca hemorrágico, o que permite fazer um prognóstico: uma futura aplicação terapêutica nos problemas de distúrbios neurológicos e de coagulação. Além disso, pela primeira vez observou-se uma molécula de um lisofosfolipídeo presa à proteína, indicando um novo papel como carregador de moléculas.
Ambos os trabalhos se entrelaçam não somente por fazerem abordagem a partir do veneno de serpentes, atuando como pesquisa básica, mas também porque confirmam a necessidade cada vez maior de realizar estudos colaborativos, envolvendo diferentes institutos e diferentes instituições, sem falar no uso de técnicas destacadas como a cristalografia que impulsionam ainda outros estudos.
Estudos abrem perspectiva
para a produção de fármacos
Um passo que pode colaborar para o desenvolvimento futuro de novos fármacos que tenham ação neurológica e na coagulação sanguínea foi dado pelo químico Marcelo Leite dos Santos. Estudando o veneno de serpentes da fauna brasileira em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Química (IQ) e orientada pelo professor Ricardo Aparicio, o doutorando resolveu a estrutura de importantes proteínas por meio da Cristalografia por Difração de Raios X, uma das técnicas mais difundidas para a caracterização de macromoléculas que permite avaliar a forma da proteína e a organização espacial dos aminoácidos que a compõem. Santos conseguiu, por exemplo, caracterizar a BJVIII, uma proteína que tem potencial para levar à coagulação sanguínea.
Os dois principais resultados da pesquisa foram obtidos a partir da proteína extraída e purificada do veneno da serpente Bothrops jararacussu, popularmente conhecida como jararaca, e da serpente Crotalus durissus cascavella, a cascavel. Caracterizando a proteína BJVIII do veneno da Bothrops jararacussu, Santos deteve-se na sua incomum capacidade de agregação plaquetária (coagulação sanguínea), o que não era esperado para essa classe de proteínas em experimentos de bioquímica.
Entender a estrutura da proteína, expõe Aparicio, ajuda a avaliar as razões que podem explicar o seu funcionamento. O veneno, no caso, não é constituído somente por proteínas. Envolve uma complexa mistura de componentes. A serpente injeta este verdadeiro “coquetel” de constituintes orgânicos e inorgânicos na vítima, causando profundos danos aos tecidos, com iminência de necrose e mesmo de morte. Dentre os principais componentes do veneno estão as enzimas fosfolipases A2 que, em contato com os tecidos do organismo, provocam uma série de reações. Uma delas consiste em induzir coagulação sanguínea na vítima, fato que motivou esta investigação, pois esta atividade biológica não estava de todo esclarecida no caso da BJVIII.
O trabalho foi guiado com a proteína já separada das demais, após ter sido isolada do veneno. Esta purificação da proteína de interesse foi feita graças à colaboração do biólogo Fábio Henrique Ramos Fagundes, aluno de doutorado orientado pelo professor da Unesp Marcos Hikari Toyama, que mantém uma parceria com o Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
Toyama e Fagundes trabalharam tentando entender por que isso acontecia, lançando mão de alguns tipos de técnica. O grupo do IQ dedicou-se à parte da estrutura para chegar aos indícios de “como” isso ocorre. A parte de estudo do veneno das serpentes, diz Fagundes, foi bem fundamentada, sobretudo após observar-se que alguns efeitos poderiam ser usados com fins terapêuticos. Exemplo disso reflete o captopril, um hipotensivo usado comercialmente e que é sintetizado artificialmente com alterações. Antigamente, o captopril era extraído do veneno de serpentes para atuar como fármaco. “Hoje, estudamos as inúmeras proteínas do veneno e seus efeitos, tanto proteínas ligadas à neurotoxicidade quanto aquelas que causam hemorragia e mesmo as que acabam levando à coagulação sanguínea, como é o caso da BJVIII”, expressa Santos.
Efeitos adversos
Os venenos de cascavéis são conhecidos como crotálicos e os de jararacas como botrópicos, e diferem significativamente por provocar reações muito distintas na vítima. Os sinais e sintomas de uma pessoa envenenada por uma cascavel são díspares de outra que foi envenenada pela jararaca. No caso do veneno da cascavel, o efeito principal é neurotóxico, sendo o sintoma mais notório a pálpebra caída. A vítima está exposta ainda ao risco de sofrer uma parada respiratória, visto que o veneno bloqueia o sinal que deveria ir para a parte muscular. Normalmente, a pessoa morre por asfixia, ao serem bloqueados os impulsos nervosos que seguem para os músculos da respiração.
Santos, por outro lado, explica que o veneno da Bothrops jararacussu possui um efeito hemorrágico. Assim sendo, a vítima acaba tendo uma necrose de tecido, destruição do músculo e hemorragia, que às vezes leva à morte. “A vítima pode ainda apresentar perda de membros”, informa Santos. No caso específico deste veneno, existe uma fração proteica que tem um efeito que causa a hemorragia e uma outra fração que causa a coagulação sanguínea. “São efeitos opostos provocados por duas proteínas muito parecidas em sua sequência de aminoácidos.”
Avaliando tais efeitos biológicos, Santos se interessou por desvendar o porquê de uma proteína ocasionar coagulação sanguínea e inferiu que ela poderia apontar para alguma terapêutica relacionada a problemas de coagulação sanguínea. Para ele, esta seria uma visão prática para ancorar melhor a compreensão do mecanismo de funcionamento destas proteínas.
No caso da fosfalipase A2 de cascavel, conforme Santos, foi avaliado o efeito do tratamento químico com um produto natural chamado naringina, um flavonoide amplamente encontrado nos citrus. Com este produto, alterava-se a estrutura dessa proteína e a sua função também, percebendo-se elevada atividade bactericida desta fosfolipase de cascavel. “Era capaz de destruir a membrana celular por quebrar fosfolipídeos de membranas”, constata.
Após o tratamento químico com a naringina, verificou-se que a atividade bactericida foi diminuída e quase inibida por total. Em outras palavras, a mesma proteína, depois de tratada, não mais destruía a membrana da bactéria. “Empregamos uma técnica complementar, chamada Espalhamento de Raios X a Baixos Ângulos (SAXS), para avaliar as modificações na proteína”, conta o químico.
Aparicio esclarece que entender tais processos pode, mesmo que não de imediato, colaborar para o desenvolvimento de novos fármacos. “Marcelo obteve resultados importantes que adicionam mais uma peça num intrincado quebra-cabeça. As estruturas obtidas permitiram formular novas hipóteses sobre o mecanismo pelo qual a fosfolipase de jararaca, BJVIII, exibia um inesperado efeito de agregação plaquetária.”
O propósito de estudar as duas proteínas, complementa Fagundes, emergiu do efeito de agregação plaquetária. Além disso, proteínas de serpente vêm sendo estudadas para bloqueio de sinais sobre os quais não se tem controle, em distúrbios neurológicos nos quais há passagem de um sinal muito amplificado. “Desta forma, os mecanismos de ação destas fosfolipases poderiam ser úteis na busca de algum mecanismo de bloqueio de transmissão nervosa indesejada nos sistemas biológicos.”
Carregadoras moleculares
De acordo com Santos, no caso da fosfolipase de jararaca, a BJVIII, verificou-se que existia uma molécula chamada ácido lisofosfatídico ancorada no sítio ativo, uma região importante da proteína. O curioso nesta descoberta foi que pela primeira vez notou-se uma molécula de um lisofosfolipídeo presa a uma proteína deste tipo. Isso sugere que o achado está ligado a um novo papel de ação dessa proteína, que atua como carregadora de moléculas que podem sinalizar para um efeito farmacológico.
Atribuiu-se, a partir desse estudo, o efeito de coagulação sanguínea e o efeito de agregação plaquetária não à proteína BJVIII, como se pensava antes, e sim à molécula que estava presa dentro da proteína para ser liberada somente no momento adequado, onde esta molécula iria atuar nas plaquetas induzindo a agregação plaquetária e iniciando a cascata da coagulação.
A função de uma proteína, por exemplo uma enzima, está diretamente relacionada ao modo como seus átomos se organizam em três dimensões. As proteínas são moléculas muito grandes – centenas ou milhares de átomos – formadas por pequenas unidades, chamadas aminoácidos, que se encaixam um após o outro numa sequência determinada por DNA, permanecendo unidos como se fosse um “fio”. Com os 20 aminoácidos comumente encontrados na natureza, os organismos vivos são capazes de gerar um número enorme de combinações.
Esse “fio” de aminoácidos se retorce de modo a gerar a estrutura tridimensional da proteína, na qual aminoácidos, inicialmente distantes na sequência, podem acabar ficando muito próximos quando vistos em três dimensões. Normalmente, dentre centenas de aminoácidos, apenas alguns poucos são responsáveis pela ação da proteína e, por isso, conhecer sua estrutura com precisão é essencial para entender seu funcionamento.
Quando os estudos de Santos foram iniciados, já existiam estudos farmacológicos utilizando várias técnicas que mostravam que esta determinada proteína que se classifica como a fosfolipase era capaz de atuar induzindo a agregação plaquetária. Acreditava-se que, em geral, a própria proteína teria potencial para fazer uma reação química e provocar mudanças que levariam a este efeito de agregação.
Em particular, Santos observou que não era bem assim. “O que a gente consegue observar, olhando a estrutura da molécula e da proteína, como um todo, é que há uma outra molécula pequenininha sempre ligada a esta proteína. Uma das novidades do trabalho está nessa nova hipótese de que a fosfolipase tem condições de atuar como um transportador de outras moléculas pequenas.” No caso da serpente, quando ela produz o veneno, também produz essa pequena molécula (muito pouco solúvel em água) que entra dentro da proteína. “A proteína do veneno transporta esta molécula que, uma vez liberada, é capaz de induzir a agregação plaquetária, relacionada à coagulação sanguínea, formação de coágulos na circulação e morte da vítima por embolia”, assinala Aparicio.
O complexo proteico
A Cristalografia por Difração de Raios X é hoje a principal técnica de escolha para determinar a estrutura das proteínas. Nela, as moléculas de proteínas são forçadas a se encaixarem de um modo muito bem ordenado – um cristal. Expondo os cristais aos raios X, consegue-se obter com precisão a posição dos átomos, revelando a estrutura proteica. Pode-se cristalizar a proteína sozinha ou junto com moléculas menores, que interagem com ela formando um “complexo proteico”. A Unicamp, através do Laboratório de Biologia Estrutural e Cristalografia (Labec) do IQ, implantado por Aparício e colaboradores em 2004, está entre as poucas instituições do país a oferecer infraestrutura e as capacidades necessárias para determinar estruturas de proteínas.
Além de sua importância em pesquisa básica, a cristalografia é essencial ao desenvolvimento de drogas. Elas geralmente são moléculas pequenas projetadas para se “encaixar” nas proteínas, interferindo em sua ação dentro da célula viva. Havendo um composto inicial, candidato à droga, e usando como guia estruturas de complexos proteicos, os átomos da molécula pequena podem ser modificados para aumentar sua atividade sobre a proteína de interesse.
A cristalografia pode ainda ser utilizada na determinação da estrutura das próprias moléculas pequenas sem a presença de proteínas, informação muito importante durante o estabelecimento de rotas para a síntese orgânica de compostos com atividade biológica.
Nessa direção, um importante adicional ao parque instrumental do IQ está em fase de aquisição com recursos do projeto temático da Fapesp “Biologia química: novos alvos moleculares naturais e sintéticos contra o câncer. Estudos estruturais, avaliação biológica e modo de ação”, coordenado pelo professor do IQ Ronaldo Aloise Pilli. O projeto deve desenvolver compostos com atividade contra o câncer. O novo equipamento, um difratômetro para monocristais de última geração, auxiliará na determinação da estrutura de pequenas moléculas e nos estudos de sua interação com proteínas. (Isabel Gardenal)
fonte:http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/abril2010/ju457_pag0607.php
Biodigestor aperfeiçoado na USP produz 40% mais gás combustível
Nilbberth Silva / Agência USP
Pesquisadores da USP e da Universidade de Gênova – Unigena (Itália) aperfeiçoaram um biodigestor para que ele produza, em média, 40% mais biogás a partir do esgoto que os aparelhos comuns. O equipamento também purifica o gás, fazendo-o gerar cerca de 50% mais energia e tornando-o mais parecido com o gás natural veicular (GNV).
Biodigestores são recipientes onde dejetos fermentam sob a ação de bactérias. Eles têm encanamentos para recolher os resultados do processo: adubo e o biogás, uma mistura principalmente dos gases carbônico e metano, principal componente do GNV. Na zona rural são alimentados periodicamente por dejetos de animais; mas podem ser usados em indústrias e receber esgoto processado por estações de tratamento. O tamanho do aparelho varia de acordo com a necessidade de combustível.
Os pesquisadores italianos testaram quais características aumentavam a produção de biogás para aperfeiçoar o aparelho e chegar a maior eficiência. A fermentação acontece em compartimentos de vidro imersos em água a 40° Celsius (°C) contendo o esgoto processado. Uma hélice agita os resíduos cinco vezes ao dia. E, no tubo de saída, um medidor quantifica a produção de biogás diariamente.
“Monitorando essa quantidade podemos identificar se as bactérias estão trabalhando bem, se a cinética de fermentação está sendo otimizada”, diz Ricardo Pinheiro, engenheiro agrônomo que ajudou a desenvolver o biodigestor em seu doutorado duplo na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e na Unigena, supervisionado respectivamente pelos professores Maricê Oliveira e Attilio Converti.
Algas purificadoras
Os pesquisadores também acoplaram ao biodigestor microalgas que, para crescer, retiram do biogás o gás carbônico, aumentando a concentração de metano da mistura e com isso, o poder calorífico. O biogás comum apresenta geralmente um poder calorífico de 5.500 quilocalorias por metro cúbico (kcal/m³), enquanto o biogás purificado têm poder calorífico de 8.400 kcal/ m³ – um aumento de 52%.
As algas podem ser utilizadas para produzir ração para animais ou alimentar as bactérias do próprio biodigestor, já que são ricas em carboidratos.
“Há poucos trabalhos científicos sobre como otimizar o metabolismo das bactérias que fermentam os dejetos”, explica Pinheiro.
O biodigestor poderá ser instalado em estações de tratamento de esgoto, criadouros de suínos e fazendas. Os pesquisadores vêm desenvolvendo o aparelho há mais seis anos e ainda estão aperfeiçoando o sistema. A meta é que o produto seja patenteado até abril do ano que vem. Ainda não há previsão de quando o aparelho chega ao Brasil, nem quanto deve custar, mas Pinheiro pretende instalar o primeiro na USP.
Mais informações: (11) 3091-3690, (11) 8391-2171, email rpsolive@usp.br
fonte:http://www4.usp.br/index.php/tecnologia/18786-biodigestor-aperfeicoado-na-usp-produz-40-mais-gas-combustivel
Pesquisadores da USP e da Universidade de Gênova – Unigena (Itália) aperfeiçoaram um biodigestor para que ele produza, em média, 40% mais biogás a partir do esgoto que os aparelhos comuns. O equipamento também purifica o gás, fazendo-o gerar cerca de 50% mais energia e tornando-o mais parecido com o gás natural veicular (GNV).
Biodigestores são recipientes onde dejetos fermentam sob a ação de bactérias. Eles têm encanamentos para recolher os resultados do processo: adubo e o biogás, uma mistura principalmente dos gases carbônico e metano, principal componente do GNV. Na zona rural são alimentados periodicamente por dejetos de animais; mas podem ser usados em indústrias e receber esgoto processado por estações de tratamento. O tamanho do aparelho varia de acordo com a necessidade de combustível.
Os pesquisadores italianos testaram quais características aumentavam a produção de biogás para aperfeiçoar o aparelho e chegar a maior eficiência. A fermentação acontece em compartimentos de vidro imersos em água a 40° Celsius (°C) contendo o esgoto processado. Uma hélice agita os resíduos cinco vezes ao dia. E, no tubo de saída, um medidor quantifica a produção de biogás diariamente.
“Monitorando essa quantidade podemos identificar se as bactérias estão trabalhando bem, se a cinética de fermentação está sendo otimizada”, diz Ricardo Pinheiro, engenheiro agrônomo que ajudou a desenvolver o biodigestor em seu doutorado duplo na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e na Unigena, supervisionado respectivamente pelos professores Maricê Oliveira e Attilio Converti.
Algas purificadoras
Os pesquisadores também acoplaram ao biodigestor microalgas que, para crescer, retiram do biogás o gás carbônico, aumentando a concentração de metano da mistura e com isso, o poder calorífico. O biogás comum apresenta geralmente um poder calorífico de 5.500 quilocalorias por metro cúbico (kcal/m³), enquanto o biogás purificado têm poder calorífico de 8.400 kcal/ m³ – um aumento de 52%.
As algas podem ser utilizadas para produzir ração para animais ou alimentar as bactérias do próprio biodigestor, já que são ricas em carboidratos.
“Há poucos trabalhos científicos sobre como otimizar o metabolismo das bactérias que fermentam os dejetos”, explica Pinheiro.
O biodigestor poderá ser instalado em estações de tratamento de esgoto, criadouros de suínos e fazendas. Os pesquisadores vêm desenvolvendo o aparelho há mais seis anos e ainda estão aperfeiçoando o sistema. A meta é que o produto seja patenteado até abril do ano que vem. Ainda não há previsão de quando o aparelho chega ao Brasil, nem quanto deve custar, mas Pinheiro pretende instalar o primeiro na USP.
Mais informações: (11) 3091-3690, (11) 8391-2171, email rpsolive@usp.br
fonte:http://www4.usp.br/index.php/tecnologia/18786-biodigestor-aperfeicoado-na-usp-produz-40-mais-gas-combustivel
Assinar:
Postagens (Atom)