sábado, 20 de junho de 2009

Notícias-Gordura com baixo teor de isômeros trans


Pesquisa de doutorado desenvolvida por Denise F. S. Becker de Almeida, apresentada ao Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, sob orientação da professora Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves, permitiu obter gorduras com baixo teor de isômeros trans e que poderá ser utilizada em margarinas, bolos e outros alimentos que contêm gorduras em sua formulação.

As descobertas e a conscientização dos malefícios causados pelas gorduras com elevado teor de isômeros trans têm levado os governantes a tomarem medidas cada vez mais restritivas sobre seu uso, pressionando as indústrias alimentícias na procura de alternativas para sua substituição. É sabido que as gorduras são responsáveis por certos atributos sensoriais conferidos aos alimentos que agradam aos consumidores.

Enquanto vários países adotam iniciativas para restringir o consumo de gorduras trans e até programam sua definitiva exclusão dos alimentos, a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) alega que há falta de opções para substituir esse tipo de gordura, embora utilize como atenuante a justificativa de que pesquisas vêm sendo desenvolvidas para solucionar o problema.

As gorduras trans
A grande maioria dos óleos vegetais naturais apresenta aplicações limitadas em razão de suas composições químicas específicas. Para ampliar o seu uso, os óleos são modificados quimicamente pela hidrogenação ou interesterificação, ou fisicamente pelo fracionamento, produzindo as gorduras semi-sólidas.

Os isômeros trans presentes na dieta são oriundos principalmente das gorduras parcialmente hidrogenadas. Os óleos vegetais parcialmente hidrogenados – margarinas e gorduras comestíveis (shortenings) – são amplamente utilizados como matérias-primas de numerosos produtos comestíveis, levando os isômeros trans para uma grande variedade de alimentos.

A partir da década de 80, os componentes trans se transformaram nos vilões das gorduras quando se descobriu que contribuem para o aumento do colesterol total e ruim e diminuição do colesterol bom, constituindo um fator de risco para problemas cardiovasculares, além de não trazerem nenhum benéfico alimentar.

Uma estratégia para reduzir ou eliminar o conteúdo de trans nas gorduras é a mistura de óleos totalmente hidrogenados – sem nenhum isômero trans –, com óleos líquidos não hidrogenados, naturalmente sem isômeros trans. A dureza e espalhabilidade dos produtos devem ser ajustadas variando a proporção de sólidos e líquidos na mistura. Outra possibilidade seria a interesterificação de gordura totalmente hidrogenada com óleos líquidos, utilizando catalisadores químicos ou enzimas.

Os maiores teores de gorduras trans se encontram em alimentos industrializados como biscoitos, batatas fritas, pipocas de microondas, chocolates, sorvetes, salgadinhos de pacote, pastéis, tortas, bolos e alimentos que ainda utilizam gorduras parcialmente hidrogenadas nas receitas. As indústrias alimentícias as utilizam porque contribuem para a consistência, crocância e sabor.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou, em 2006, que todos os alimentos comercializados deveriam expressar em sua rotulagem nutricional a declaração dos ácidos graxos trans em relação à porção do alimento – 1 fatia, 1 colher de sopa, 200 mL – em conjunto com as declarações para gorduras totais e saturadas. São considerados como zero trans os alimentos que apresentarem teores de gorduras trans menores ou iguais a 0,2 g/porção.

A gordura alternativa
Estes fatos justificam o estudo desenvolvido por Denise, que contemplou a elaboração de novas gorduras a partir de fontes oleosas disponíveis e viáveis economicamente no Brasil – óleos de soja, algodão e gordura de palma totalmente hidrogenada. O objetivo foi promover a interesterificação química de diferentes frações da gordura totalmente hidrogenada com os óleos líquidos específicos, a fim de se obter novas gorduras com baixo teor de isômeros trans e com melhor performance para aplicação na indústria alimentícia.

Considerando que a indústria utiliza gorduras que conferem aos produtos melhor textura, volume e propriedades sensoriais apreciadas pelo consumidor, a pesquisadora realizou um estudo comparando o desempenho das gorduras low trans, com gorduras parcialmente hidrogenadas ricas em isômeros trans empregadas industrialmente.

O objetivo do trabalho não foi apenas produzir gorduras com baixo teor de isômeros trans – low trans – para aplicação alimentícia. Propunha-se também caracterizar essas gorduras quanto às suas propriedades físico-químicas, aplicar técnicas analíticas apropriadas que permitissem o monitoramento de suas composições, selecionar aquelas gorduras que se mostrassem aplicáveis e, então, aplicá-las na elaboração de um produto que pudesse ser comparado com produtos high trans e avaliado quanto às suas propriedades reológicas – textura, volume e cor – e sensoriais.

Os estudos levaram Denise a concluir que as fontes oleaginosas utilizadas – óleos de soja, de algodão, gordura de palma totalmente hidrogenada – permitem a elaboração de gorduras low trans com propriedades plásticas adequadas quando comparadas com aquelas de alto teor trans – high trans – tradicionalmente utilizadas.

As gorduras desenvolvidas mostraram-se adequadas para aplicação em margarinas e panificação. O bolo inglês foi o produto escolhido para avaliar comparativamente as gorduras low trans desenvolvidas com bolos produzidos com gordura comercial parcialmente hidrogenada high trans. Quando avaliados instrumentalmente, a textura, o volume e a cor dos bolos não apresentaram diferença significativa. Porém, a avaliação sensorial com consumidores revelou diferenças quanto à textura e sabor. Por sua vez, as técnicas analíticas empregadas mostraram-se adequadas ao monitoramento das características físico-químicas das gorduras.

Denise considera que a proposta foi cumprida, pois ela partiu da matéria-prima, desenvolveu e caracterizou uma nova gordura, avaliou a aplicação em produto alimentício, chegando ao final da cadeia com a realização de teste sensorial junto ao consumidor. Segundo ela, os resultados mostraram que não basta substituir a gordura trans pela nova gordura. Faz-se necessário investir em modificações nas formulações, nas condições de processamento e na utilização de aditivos apropriados. Isto quer dizer que todas as alterações observadas na nova gordura em relação às que possuem isômeros trans podem ter seus efeitos contornados.

O processo
As gorduras de origem vegetal são obtidas a partir de óleos vegetais – soja, algodão, milho, girassol, canola – que devem sofrer modificação para se tornarem adequados ao consumo e aplicações. Nesse processo, quando os óleos refinados são parcialmente hidrogenados, há formação de isômeros trans que não existiam inicialmente na matéria-prima, provocada pelas condições de reação (pressão e temperatura). Para a obtenção das gorduras vegetais plásticas e livres de isômeros trans – low trans – estes óleos podem ser submetidos à interesterificação. Este processo não contribui para a formação de compostos trans e pode ser catalisado por substâncias químicas ou enzimáticas.

Os alimentos industrializados, explica a pesquisadora, utilizam principalmente a gordura vegetal semi-sólida ou pastosa em lugar do óleo líquido. A gordura é preparada a partir dos óleos vegetais refinados mediante reações químicas de hidrogenação e/ ou interesterificação. O óleo líquido é formado por moléculas de ácidos graxos que possuem ligações insaturadas, o que lhe confere consistência líquida em temperatura ambiente. Durante a hidrogenação ocorre rompimento das ligações insaturadas, ou seja, rompem-se as duplas ligações formando as ligações saturadas que irão constituir e caracterizar as gorduras saturadas semi-sólidas. Durante a hidrogenação parcial, muitos ácidos graxos insaturados na configuração cis que não reagiram com o hidrogênio podem se transformar em isômeros trans.

Ao contrário da hidrogenação, a interesterificação não afeta o grau de saturação nem causa isomerização nas duplas ligações dos ácidos graxos. Ocorre uma redistribuição dos ácidos graxos nas moléculas do triacilglicerol, o que resulta em uma gordura com composição final diferente e, consequentemente, com propriedades físicas diferentes.

Denise realizou a interesterificação de bases oleosas por ela previamente preparadas, que permitiram obter gorduras tecnologicamente aplicáveis, ou seja, com novas características plásticas, como consistência, comportamento de cristalização, ponto de fusão, para chegar a um novo produto com reduzido teor de isômeros trans.

fonte:Jornal da Unicamp 15 a 21 de junho de 2009

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