quinta-feira, 18 de março de 2010

FEM-Unicamp desenvolve cimento ósseo


JEVERSON BARBIERI

Pesquisa conduzida no Laboratório de Biomateriais e Biomecânica da Faculdade de Engenharia Mecânica (Labiomec-FEM) por Mariana Motisuke foi responsável pelo desenvolvimento de um cimento ósseo à base de [alfa]-fosfato tricálcico, cuja principal aplicação é o preenchimento de defeitos faciais ocasionados por acidentes ou doenças congênitas. Esse material, cujo processo de preparo e fabricação foi totalmente desenvolvido em laboratório utilizando matérias-primas nacionais, garante uma redução de custos muito grande, em comparação com os produtos importados. “Após a purificação da matéria-prima, da caracterização e de todo o processo de preparação, concluímos que se trata de uma produção que não é muito dispendiosa”, afirmou Motisuke. Portanto, o processo traz grandes vantagens quando se pensa em uma aplicação clínica, que é um dos próximos passos do desenvolvimento desse material.

Os ensaios biológicos em animais apontaram resultados muito positivos, uma vez que o material foi bem-aceito pelo organismo e também auxiliou na formação de um novo tecido ósseo. “Creio que a grande contribuição do meu trabalho é trazer uma redução nos custos de produção de um material utilizado na medicina e na odontologia, desenvolvendo uma tecnologia 100% nacional”, atestou Motisuke.

Segundo a pesquisadora, que foi orientada pela professora Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia e recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o material, chamado cimento de fosfato de cálcio apresenta composição química muito semelhante ao tecido ósseo. Sua grande vantagem é não ocasionar resposta inflamatória severa e rejeição por parte do organismo depois de implantado. De acordo com Motisuke, ele apresenta algumas alterações em sua composição química com o intuito de melhorar as propriedades biológicas e ter uma resposta in vivo mais eficiente. “Os fosfatos de cálcio são materiais biocompatíveis que permitem e conduzem o crescimento normal de ossos e dentes, mas as modificações foram feitas para melhorar ainda mais a resposta biológica frente ao implante e, assim, acelerar a fase de regeneração óssea”, ressaltou.

Resistência
Quando um novo biomaterial está sendo desenvolvido para substituir um determinado tecido do corpo humano, ele precisa adaptar-se às propriedades do mesmo, seja em composição, seja em morfologia ou mesmo em propriedades mecânicas. Se o biomaterial for mais mole do que o tecido ósseo e tiver uma resistência mecânica baixa, a partir de qualquer impacto o paciente verá o implante falhar. Ao contrário disso, se for mais duro também trará danos porque certamente machucará os tecidos adjacentes. Portanto, é necessário que tenha uma propriedade mecânica similar ao tecido ósseo humano. No caso específico desse cimento, Motisuke explicou que ele possui uma resistência mecânica um pouco abaixo do ideal e, por esse motivo, sua aplicação fica restrita à face, porque é um local que não recebe muita solicitação mecânica.

A pesquisadora disse também que existem alguns estudos in vivo feitos pelo grupo da professora Zavaglia em conjunto com a Sociedade Brasileira de Pesquisa e Assistência para Reabilitação Craniofacial (Sobrapar) e com o Departamento de Morfologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Neles, os materiais desenvolvidos no laboratório são fornecidos para realização de testes em animais, com o objetivo de avaliar a biocompatibilidade, a bioatividade e a taxa de reabsorção in vivo.

De acordo com Motisuke, os resultados obtidos até agora foram muito bons, uma vez que o material foi bem-aceito pelo organismo e também auxiliou na formação de um novo tecido ósseo. “Foram feitos testes preliminares para verificar a biocompatibilidade e a ausência de resposta inflamatória, com o intuito de averiguar se o material não é rejeitado pelo organismo. Tivemos uma resposta muito interessante e muito positiva da implantação”, contou a pesquisadora.

Um segundo passo será analisar o tempo que leva para ocorrer a formação de um novo tecido ósseo a partir do implante e, também, do tempo que o material leva para ser degradado. Outra vantagem desse cimento é que ele é reabsorvido pelo organismo, ou seja, conforme um novo tecido ósseo cresce, o produto vai sendo degradado naturalmente e, portanto, não há a necessidade, após o tempo de tratamento, de uma nova intervenção cirúrgica para que ele seja retirado.

No entanto, Motisuke chama a atenção para a necessidade de estudos sobre a taxa de degradação. Para existir a formação de um novo tecido com propriedades satisfatórias o material não pode se degradar muito rápido que não dê tempo de guiar o crescimento de um novo tecido ósseo e nem demorar muito a ponto de atrapalhar o crescimento e o desenvolvimento deste novo tecido. “Tem que existir uma taxa de crescimento e uma taxa de degradação que ocorram em conjunto, com uma variação bem parecida”, analisou a pesquisadora.


Estudos começaram ainda na graduação

Pertencer a uma família de pesquisadores e possuir um grande interesse pela área de biomateriais foram fatores decisivos para que Motisuke iniciasse sua pesquisa com cimento ósseo desde a sua graduação. “Conheci a professora Cecília, que me mostrou o material que vinha sendo desenvolvido até então no laboratório, e também recebi a informação de que no Brasil não tínhamos muitas pesquisas nessa área”, contou a pesquisadora. Além disso, por ser engenheira química de formação, Motisuke disse que sempre teve a preocupação de desenvolver um produto com tecnologia nacional, de baixo custo, e que tivesse fácil acesso à população e isso a motivou a prosseguir na área.

O contato desde a iniciação científica colaborou bastante porque dentro do desenvolvimento de qualquer pesquisa existe um processo de aprendizado muito intenso. Ela revelou que essa fase inicial foi muito interessante porque aprendeu muito sobre as técnicas de caracterização, sobre os processos pelos quais acontecia o desenvolvimento dos cimentos de fosfatos de cálcio e como eram feitas as pesquisas no laboratório. Assim, quando iniciou o doutorado ela já tinha uma boa experiência. “Pude então direcionar meus estudos para o desenvolvimento de um novo material”, explicou Motisuke.

Com relação ao futuro, a pesquisadora afirmou que vai continuar nessa área de pesquisa, realizando estudos na parte biológica e também na utilização desse material na prototipagem rápida – técnica de produção de peças por impressão em 3D. Uma das frentes é aplicar esse cimento e outros produzidos pelo laboratório na prototipagem rápida para conseguir fazer um implante sob medida para cada paciente e conseguir ter propriedades melhoradas e formas mais complexas, inclusive com um controle mais preciso da porosidade para que, futuramente, este material possa ser utilizado de maneira satisfatória na engenharia tecidual.