quarta-feira, 3 de março de 2010

Pesquisadores do IG-Unicamp atestam que meteorito formou cratera no RS


MARIA ALICE DA CRUZ

A origem geológica do Cerro do Jarau, localizado no município gaúcho de Quaraí, na fronteira Brasil/Uruguai, é meteorítica, de acordo com evidências identificadas pelo professor Alvaro Crósta e pela geóloga Fernanda Lourenço, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. A confirmação de que se trata de uma cratera formada pelo impacto de um meteorito foi feita com base em evidências de processos de deformações encontradas em amostras de rochas, coletadas em um trabalho de campo e estudadas em laboratório por meio de microscópio. Outras evidências, segundo Crósta, são feições visíveis a olho nu, chamadas de shatter cones. Compostos por estruturas cônicas estriadas, os shatter cones são unicamente formados em crateras de impacto, pela passagem da onda de choque pelas rochas. Imagens de sensoriamento remoto obtidas por satélites também ajudaram a caracterizar essa nova cratera meteorítica.

Crósta explica que o impacto de um meteorito de grandes dimensões libera uma quantidade de energia completamente incomum a qualquer outro tipo de processo geológico existente na Terra. No caso de Cerro do Jarau, estima-se que a quantidade liberada pelo meteorito, que teria entre 600 e 700 metros de diâmetro, tenha sido equivalente a 550 mil bombas atômicas iguais à que destruiu a cidade de Hiroshima no Japão em 1945. O meteorito foi capaz de provocar uma cratera, hoje já parcialmente erodida (chamada de “astroblema”) com cerca de 13,5 quilômetros. “Não há nenhum outro processo que libere tanta energia na superfície da terra como o impacto de um meteorito com essas dimensões. As deformações produzidas nas rochas em decorrência desse tipo de fenômeno são permanentes e servem para diagnosticá-lo. É então com base nelas que podemos dizer: aqui ocorreu um impacto”, explica. A comprovação rendeu a produção de um artigo que deverá compor a próxima edição do livro Large Meteorite Impacts IV a ser lançada, em março, pela Sociedade Geológica da América (GSA).
Muitas vezes, entre a descoberta de uma estrutura que pode ser uma cratera meteorítica e a comprovação segura de sua origem, podem se passar décadas, segundo Crósta. Foi justamente isso que ocorreu com a cratera de Cerro do Jarau, cuja possível origem meteorítica já havia sido aventada por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul na década de 1980. Mas ainda não tinham sido encontradas as evidências de deformação por impacto necessárias para a comprovação da origem. O mérito do trabalho realizado pelos pesquisadores da Unicamp no Cerro do Jarau, na opinião do professor, foi conseguir encontrar as feições específicas de uma cratera meteorítica. “Muitas vezes, essas feições são muito difíceis de encontrar, o que torna necessária a análise de uma grande quantidade de material. Existem várias estruturas similares no mundo, que apesar de terem toda a aparência de crateras meteoríticas, não se conseguiu até hoje comprovar a origem”, declara.

Crosta explica que, no caso de crateras meteoríticas mais jovens, existe a possibilidade de se encontrar fragmentos dos meteoritos que as formaram, mas quanto às crateras antigas, a comprovação torna-se mais difícil pelo fato de os meteoritos serem instáveis, do ponto de vista geoquímico, quando expostos às condições vigentes na superfície da Terra. “Quando há fragmentos do meteorito, como no caso da Meteor Crater, no Arizona, formada há apenas 50 mil anos, a comprovação é mais simples e direta, porém, quando não há, vamos atrás dessas evidências indiretas, que são as deformações nas rochas causadas pela liberação dessa enorme quantidade de energia”.

Outro fato importante a respeito de Cerro do Jarau é o fato de ser a terceira cratera brasileira formada em rochas basálticas (vulcânicas) e a quarta no mundo. A análise do processo de formação de crateras meteoríticas em rochas basálticas é importante para as pesquisas sobre a evolução geológica da superfície de outros corpos planetários, tais como a Lua e Marte, onde a presença de rochas basálticas é bastante comum, segundo Crósta. “Como o acesso direto a essas superfícies é difícil, pode-se inferir informações importantes usando as crateras basálticas terrestres como análogos das suas similares lunares ou marcianas”, explica.


Ele explica que são raras as exposições de rochas basálticas em grandes extensões continentais no Planeta Terra. Dentre as maiores exposições desse tipo de rocha encontram-se as da Bacia do Paraná, no Sul do Brasil, e as do Platô de Deccan, na região centro-oeste da Índia, onde também existe uma cratera meteorítica. “Mas esta cratera da Índia, chamada Lonar, é pequena, relativamente jovem, e o seu interior foi preenchido por um lago, o que torna difícil o acesso”, explica.

No Brasil, os basaltos são oriundos das fissuras ocorridas na crosta terrestre, na época da separação entre os continentes africano e sul-americano e a formação do Oceano Atlântico, segundo o professor. Eles teriam se espalhado na superfície e formaram camadas muito espessas. “Em alguns locais da Bacia do Paraná, as camadas de basalto chegam a mais de 2 quilômetros de espessura.” Quando houve a separação entre os continentes, uma parte dessa província basáltica ficou na África, e a outra ficou na América do Sul, contudo, não se conhece nenhuma cratera meteorítica na região basáltica da África.

Encontro
Tantas descobertas levam pesquisadores brasileiros a dar passos importantes no sentido de conhecer melhor as crateras do país. Uma das iniciativas foi propor uma sessão sobre crateras em basaltos num grande encontro internacional da União Geofísica Americana (AGU) que será realizada em Foz do Iguaçu em agosto deste ano. “Já recebemos contato de especialistas internacionais em planetologia comparada, grupos que estudam as crateras em outros planetas, e outros que vêm estudando essa cratera da Índia. Após o evento, faremos uma viagem de campo para levá-los a conhecer duas das crateras basálticas brasileiras: Vista Alegre, no Paraná, e Vargeão, em Santa Catarina”, informa.

No Brasil, não há nenhuma cratera meteorítica suficientemente grande para provocar um evento de extinção em massa da vida. De todo modo, é possível que as crateras brasileiras tenham produzido efeitos regionais com relação à extinção de formas de vida existentes à época do impacto.

Uma das crateras mais interessantes desse ponto de vista está localizada na divisa de Mato Grosso e Goiás. Trata-se da cratera de Araguainha, a maior da América do Sul, e também a primeira a ser estudada por Crósta em sua dissertação de mestrado, na década de 1970. Com 40 quilômetros de diâmetro, ela já possui uma dimensão suficiente para ter produzido efeitos consideráveis sobre as formas de vida então existentes. Uma relação que desperta o interesse científico pelo impacto que formou essa cratera é o fato de sua idade, determinada em 245 milhões de anos, ser bastante próxima do maior evento de extinção em massa ocorrido na Terra, o do Permiano-Triássico.

Ocorrido no final do Paleozóico, há aproximadamente 250 milhões de anos, esse evento foi responsável pela extinção de 80% das formas de vida, e os cientistas vêm buscando uma causa para essa extinção. Embora não haja possibilidade do impacto que formou Araguainha ser o único responsável por uma extinção de tal magnitude, a proximidade das idades é importante por poder sugerir uma associação entre os diferentes eventos. “Araguainha é a única cratera brasileira que tem uma idade precisa, obtida por métodos isotópicos de datação geocronológica”, explica o professor. As outras cinco crateras brasileiras têm de 9 a 13 quilômetros e não teriam capacidade de produzir efeitos globais, mas sim regionais.

Quebra-cabeça
Durante algum tempo, os cientistas suspeitavam da ligação entre impactos meteoríticos e a extinção de formas de vida, mas há cerca de 15 anos, a comprovação dessa relação em pelos menos um desses eventos de extinção foi feita com a descoberta da cratera de Chicxulub, no Golfo do México. A idade dessa cratera é de 65 milhões de anos, exatamente a mesma da grande extinção que eliminou da Terra, entre outras formas de vida, os dinossauros. Crósta explica que, nessa época, mais de 60% de todas as formas de vida da Terra desapareceram. “Este evento de extinção parece ter ocorrido em um intervalo de tempo relativamente curto, o que não é condizente com os demais processos geológicos comuns na superfície da Terra”, explica.

Para o professor, que contribuiu diretamente para a comprovação da origem de quatro das seis crateras existentes no Brasil, todas elas, independentemente do tamanho, são importantes para montar o quebra-cabeça da história da evolução do nosso planeta. Ele acrescenta que o processo de formação de crateras, que poucas décadas atrás não era considerado importante, hoje é considerado fundamental na evolução da superfície de todos os corpos planetários sólidos. “A diferença é que a Terra é geologicamente mais ativa quando comparada a outros planetas, como Marte e Vênus, que são repletos de crateras. A atividade geológica promove, com o passar do tempo, a destruição das crateras terrestres”, diz Crósta.

As poucas crateras que restaram são importantes, pois representam o registro parcial do que ocorreu na Terra, segundo o professor. “Elas são amostras que utilizamos para analisar a evolução da superfície do nosso planeta”.

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